Terminei recentemente de assistir Glass Mask 2005, uma adaptação recente de um mangá que tem sido lançado desde 1976 e sem previsão para terminar.
O mangá de Suzue Miuchi já foi adaptado diversas vezes, duas vezes como série animada para televisão (anos 80 e em 2005), uma vez como OVA, ou seja, apenas para vídeo-dvd, e duas vezes para série live-action de televisão, uma no Japão e outra na Coreia;
Trata-se de um clássico e é o segundo mangá Shoujo mais vendido da história!
O nome "máscara de vidro" é uma referência metafórica a máscara usada pelos atores durante as apresentações teatrais, que por ser feita de vidro pode se quebrar com o menor descuido do ator, e mostrar sua verdadeira face no palco.
Eu estava ansiosa para assistir essa série, pois sabia que se tratava de um clássico, mas pouco antes de iniciá-lo fiz uma busca online por críticas, apenas para checar se a adaptação 2005 era bem quotada ou se eu teria que ir atrás da mais antiga;
Boa parte dos reviews que li diziam que a série enaltece demais a profissão de ator e que graças a ele os espectadores começaram a respeitar e compreender mais esse ofício. Li até alguns reviews de pessoas que sempre acharam que atuar era algo chato e fácil, apenas decorar falas, mas que essa série abriu suas mentes.
Então eu assisti tudo bem atenta ao que é colocado e traçando paralelos com o tipo de conteúdo que tenho em aula, minhas leituras e minha vida pessoal.
Primeiro um breve resumo do enredo para aqueles que nunca assistiram/leram a obra.
Glass Mask fala da vida de Kitajima Maya uma garota que começa a série com 13 anos,e até onde foi publicado já é uma jovem adulta, e segue mostrando a vida de Maya no mundo das artes cênicas bem como a de sua rival, a bem nascida Ayumi Himekawa, ambas da mesma idade.
Maya e Ayumi crescem na área e possuem o mesmo objetivo conseguir um dia o papel de protagonista na peça Kurenai Tenyo, uma peça que não é encenada há anos pois nenhuma atriz foi considerada boa o bastante para fazê-lo.
Todas as experiências de Maya então, são importantes para que ela amadureça como atriz e possa um dia ser digna de interpretar a emblemática Kurenai Tenyo;
Durante o percurso Maya está presente em uma série de diferentes produções, entre elas doramas, filmes, comerciais e muitas, muitas, muitas peças de teatro.
Partiremos do princípio de que a protagonista Maya Kitajima é um tipo de gênio, ela nasceu para ser atriz, tem talento e é diferente de todos os outros mortais; Isso é afirmado mais de uma vez então, se tratando de uma série de ficção eu não vejo porque não aceitar isso como fato; No entanto, sua rival Ayumi não é genial, trata-se de uma garota que constrói seu sucesso com base no próprio esforço (e um pouquinho nos seus contatos, já que sua mãe é atriz e seu pai um diretor de cinema).
Mas mesmo em uma série cuja protagonista foi abençoada com o talento divido, o trabalho duro é mostrado bem como acontece na vida real; afinal
o verdadeiro talento de Maya não é nada mais do que ser capaz de ignorar todo tipo de interferência externa e se concentrar apenas em sua atuação.
O anime mostra a dificuldade de se encontrar o tom certo da personagem e coloca várias questões que são muito pertinentes a nós estudantes.
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Maya estudando o papel de uma garota cuja perna foi amputada. |
Por vezes as personagens se colocam em situações de risco ou extremas para realizar sua pesquisa de campo, como no momento, ainda do primeiro arco em que Ayumi, garota rica, passa dias como pedinte para poder viver um mendigo no teatro ou quando Maya fica dias com uma venda nos olhos e proibida de falar para poder viver Hellen Keller;
Em outros momentos vemos as personagens construindo a gênese de personagem, lendo as frases repetidas vezes e colocando intenções diferentes, tomando aulas de dança, improvisação e trabalhando até a exaustão.
A professora Tsukikage por vezes usa de violência física e psicológica para extrair o que quer de seus atores e, embora isso pareça surreal existem sim linhas preparatórias que usam da exaustão física e psicológica do ator como forma de destruir o que já está construído e retirar dele tudo o que não pertence a personagem.
A disputa entre talento e trabalho duro está no centro das discussões da série, qual delas é mais válida? Outros questionamentos estão presentes: Tornar-se a personagem em cena significa ser um bom ator? Ou apenas um bom intérprete? Afinal o ator além de compreender o personagem que defende, deve também saber revelá-lo ao público...
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Adaptação Coreana. |
Uma pessoa com pouca vivência pode se tornar um bom ator? Afinal até que ponto as relações humanas podem ser mimicadas?
Entre outros temas abordados estão, a capacidade de um bom ator de criar e manter uma determinada atmosfera, as dificuldades do mercado bem como as rivalidades nesse meio, o monopólio das grandes empresas, questionamentos da adolescência e juventude, a paixão pela arte, a presença de 'idols' e pessoas que caçam sucesso dentro do meio e etc...
Ainda que não no centro da história existem momentos em que podemos perceber a existência da crise do teatro, da preferência do público pela televisão, da dificuldade que pequenas companhias tem para sobreviver e obter público e outros detalhes que enriquecem a história.
Eu poderia questionar a facilidade com que Maya entra no mercado de trabalho, mas ok, ela é um gênio e conheceu as pessoas certas; Então direciono a minha crítica a outro lado, a estética e linguagem das peças apresentadas.
Grande parte das peças encenadas por Maya são absurdamente comerciais e realistas; Cheias de cenários e iluminação pouco interessante.
"Ora, é só um desenho, obviamente eles não vão gastar um tempão pensando na iluminação da peça X", você pode me dizer.
Mas por ser uma série que vai fundo ao retratar o ofício do ator, seria mais interessante se ela mostrasse com mais veracidade a indústria atual, que busca se reinventar constantemente e redescobrir a linguagem do palco.
As peças de Garasu no Kamen, fora pequenas exceções tem cenário complexo, ilustrativo e figurinos dignos de cinema; pouco é mostrado sobre o teatro tradicional japonês ou sobre teatro contemporâneo e aqueles com linguagens experimentais.
Por fim, uma outra crítica é sobre a pouca leitura dos atores, isso definitivamente não corresponde a realidade. (risos).
Se a protagonista, cujo talento é natural e assustador não fosse mostrada lendo, eu gostaria que pelo menos a antagonista, cujo talento é construído a duras penas tivesse uma cena lendo alguma das leituras obrigatórias.
Garasu no Kamen não é maravilhoso apenas por retratar esse meio de maneira realista e ainda cativante, mas por apresentar uma saga envolvente e personagens que não são lugar comum.
A protagonista não é a pobre garota indefesa e sofredora, pelo contrário, é teimosa, pavio curto e levemente egoísta já que coloca sua arte na frente das relações humanas, magoando algumas pessoas; Enquanto a antagonista é, orgulhosa mas incrivelmente batalhadora, e apesar da aparência não faz o tipo 'donzela mimada' , pelo contrário em várias cenas ela está suando, correndo e trabalhando duro.
Entre outros personagens interessantes estão Hayami Masumi, dono de uma influente produtora de arte que quer montar Kurenai Tenyo e que é conhecido por ser tão viciado em trabalho que é capaz de fazer qualquer coisa para conseguir seus objetivos, apesar do sorriso encantador;
O Sr. Rosas roxas, um fã de Maya que lhe manda flores e patrocina sua carreira de longe, não revelando para ela sua identidade. (mas para o público sim, só não escrevo aqui para não dar nenhum tipo de spoiler, ainda que nós saibamos sua identidade desde o primeiro momento).
A Professora Tsukikage, detentora dos direitos de Kurenai Tenyo e mentora de Maya, uma talentosa atriz cuja carreira teve um final trágico e que se transformou em uma mulher sombria;
E por fim, Sakurakoji Yuu, um jovem ator que se torna amigo de Maya.
A série está mais que recomendada para todos, não digo isso apenas como fã de anime e mangá, mas como estudante de teatro :)
Para fins de comparação fica aqui a abertura, gracinha, da série de 1984
Glass no Kamen op por Peececraft
A da série para vídeo
E a abertura da série de 2005, a que eu assisti. (Achei a abertura fraca...)