quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sobre A Via Crucis do Corpo - Clarice Lispector

O livro 'maldito' da Clarice chegou até mim pelas mãos de uma amiga que me recomendou a leitura durante uma conversa inspirada sobre livros que nos fazem bem porque fazem mau.
Quando abri o livro me deparei com uma dedicatória emocionante feia pela amiga em questão, uma dedicatória pessoal, mais pessoal do que eu esperava e até certo ponto um desafio, teria eu a capacidade de honrá-lo? Na orelha do livro um aviso, esse apanhado de contos difere do restante da obra da Clarice, difere em temática e até certo ponto em linguagem, que o leitor não tenha pressa e que tenha coragem.
O livro é de 73 e é uma copilação de 13 contos curtos sobre o corpo, é a carne sob a mente, ou a mente em função da carne. As vontades, as tiranias, as vergonhas, e as feridas e os prazeres do corpo, e do homem-corpo.
Se o excesso de temática sexual e a falta de hipocrisia dos contos foram o suficiente para que essa obra tenha sido classificada como lixo, e para que a própria autora tenha tido receio de publicá-los, eu só posso ser grata  por ter tido a chance ler uma verdade desnuda pelas mãos da Clarice Lispector, pois nada poderia ser mais prazeroso do que ver uma autora conhecida por seu caráter poético e subjetivo escrevendo sobre o homem cru, nem bom nem mau, sobre o 'lixo'.
Embora exista uma discrepância entre este livro e outras obras da autora (não me considero uma especialista em Clarice, li poucos livros e alguns contos, mas existem diferenças notáveis), ainda existe o caráter intimista e frágil das personagens que ainda que suscetíveis as vontades do corpo e ao fardo deste, continuam objeto de interesse de estudo da autora, exatamente por serem mais do que isso, agora repensando, este livro é uma síntese forte dessa dualidade humana, é tão animal quanto sentimental, e isso incomoda, esse é o dedo na ferida.Citando a própria  "Às vezes me dá enjoo da gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta".
Tão acostumados que estamos a ler obras naturalistas e nos colocarmos a parte, como os únicos capazes de enxergar toda a podridão, e de ler obras intimistas e nos colocarmos dentro, os únicos capazes de compreender sentimentos tão refinados, a mistura dos dois mundos pode ser perigosa.
Quanto a pessoa que me indicou a leitura, só posso agradecer o voto de confiança e esperar ser capaz de honrá-lo e de te perturbar também com algum livro indicado por mim algum dia, e porque prometi que comentaria o livro com calma, preciso indicar meus contos favoritos.
Eu destacaria "O homem que apareceu", "Ele me bebeu", "Praça Mauá", "A língua do'p'" e "Mas vai chover", em especial os dois primeiros, mas prometo uma releitura (afinal este livro é bem pequeno), quem sabe essa opinião muda...






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