O mundo continuava girando a 1700 quilômetros por hora, a programação da televisão continuava entediante, crianças continuavam com fome e a pilha de livros que ela arrumara ao lado da cabeceira da cama continuava não lida.
Lá no fundo estava feliz por continuar na incerteza sobre o fim de sua vida, acreditava que esse mistério era um tipo de dádiva e punição capaz de colorir seus dias.
No peito o misto de emoções próprias da época, a euforia, o apreço pelas luzes, a diversão dos presentes e da festa e o desespero da passagem de tempo. Sentia que todo final de ano era uma piada divina que lembrava a todos que começamos a morrer no nosso primeiro dia de vida.
Era inevitável que pensasse em quem já foi e naqueles que chegaram, era inevitável que sentisse saudades e para ela tinha sido inevitável até aqui que a dor fosse maior que a alegria.
Mas a grande barreira de pessimismo era só um disfarce no fundo ela era otimista! Pobrezinha, era otimista e não sabia! E o otimismo sussurrava baixinho que ela deveria se concentrar nos ganhos do ano e não nas terríveis perdas; Ficava então dividida entre o comodismo da dor e sua essência otimista. O fim de ano era uma desculpa para colocar esse conflito em evidência e cinematograficamente acompanhado de iluminação e trilha sonora; era a batalha final épica entre um lado e outro.
Escolhia sempre no momento final pensar nos ganhos e na família, ela não era sozinha, era um terço de uma unidade; E conseguia verdadeiramente amar as cicatrizes como parte de seu amadurecimento durante o jantar de Natal; sentia-se vitoriosa!! Era como as heroínas que aprendeu a idolatrar, era cheia de valores, coragem e garra! Vencia seu pior inimigo e tinha orgulho disso.
Acabavam os fogos, a comida dava sono, não havia mais amor para compartilhar e a cidade ia dormir entorpecida; era nesse momento em que as sombras voltavam com força, voltavam para lembrá-la do caminho mais fácil, pois não há nada mais fácil do que ser fraco; Era nesse momento, quando a cidade dormia que ela se tornava solitária como o personagem do Dickens e tinha sua epifania de natal, não nascera para ser heroína e teria que pagar o preço por sua petulância: Uma semana inteira aguardando o fim e pura miséria acompanhada de todos os sonhos que abriu mão, de todas os jovens que morreram e das amizades que perdeu; esse era o preço para expiar seu crime de grandeza.
Todo ano ela aceitava no desespero, torcendo que desse modo pudesse ter mais 300 e tantos dias de uma miséria normal e não maior.
Quisera por um micro segundo que o mundo tivesse mesmo acompanhado o calendário Maia e a visualização de um certo vídeo no youtube, mas o pecado original voltara e o otimismo tratava de expulsar tais pensamentos.
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