segunda-feira, 20 de maio de 2013

Três maneiras de escrever para crianças - parte 1

Olá, resolvi publicar partes do ensaio escrito por C.S. Lewis entitulado 'Três maneiras de escrever para crianças" (On three ways of writing for children).

A tradução que reproduzo foi retirada da Edição d'As Crônicas de Nárnia da editora Martins Fontes, a tradução é de Paulo Mendes Campos.


Três maneiras de escrever para Crianças


A meu ver, quem escreve para crianças pode abordar seu trabalho de três maneiras; duas são boas, e uma, em geral, é má.
A maneira má, fiquei conhecendo há pouco tempo, a partir de dois testemunhos involutários. Um desses testemunhos me foi dado por uma senhora que me enviou o original de um conto que ela havia escrito, no qual uma fada punha à disposição de uma criança um mecanismo maravilhoso. (...) Fui obrigado a dizer a autora, com toda sinceridade, que eu não gostava nem um pouco daquele tipo de coisa. Ela respondeu "Eu também não gosto, acho muito aborrecido. Mas é isso que a criança moderna quer." O outro fato foi o seguinte: no primeiro livro que escrevi, fiz uma longa descrição de um chá completo - que me pareceu delicioso - oferecido por um fauno hospitaleiro à minha heroína, uma garotinha. Um homem, pai de vários filhos, me disse "Ah, já sei como teve essa ideia. Se você quisesse agradar a leitores adultos, escreveria uma cena de sexo. Então, decerto pensou 'Para crianças, não dá. Em vez de sexo, o que mais posso oferecer-lhes? Já sei! os pirralhos adoram se encher de guloseimas." Na realidade, porém, eu é que gosto muito de comer e beber. E escrevi o que gostaria de ter lido quando criança e que ainda gosto de ler agora, com mais de cinquenta anos.
Tanto a senhora do primeiro exemplo, quanto o pai de família do segundo concebem que escrever para crianças é um departamento especial, o de 'dar ao público o que ele quer'. As crianças, evidentemente, constituem um público especial; basta descobrir o que elas querem e lhes oferecer exatamente isso, por menos que nos agrade. Uma outra maneira, a princípio, pode parecer idêntica à primeira, mas penso que a semelhança é superfícial. É a maneira de Lewis Carroll, Kenneth Grahame e Tolkien. O livro publicado nasce de uma história contada de viva voz e talvez espontaneamente a uma determinada criança. A segunda maneira é semelhante à primeira porque o autor, sem dúvida, procura dar à criança o que ela quer. Só que nesse caso ele está lidando com uma pessoa concreta, uma criança específica que, evidentemente, é diferente de todas as outras. Não concebe "as crianças", de modo nenhum, como uma espécie estranha cujos hábitos ele precisa "identificar", como faria um antropólogo ou um caixeiro viajante. (...)

A terceira maneira, a única que sou capaz de usar, consiste em escrever uma história para crianças porque é a melhor forma artística de expressar algo que você quer dizer. (...) Ouvi dizer que Arthur Mee nunca conversou nem quis conversar com uma criança. Na opnião dele, era pura sorte os meninos gostarem de ler o que ele gostava de escrever. Pode ser que essa historieta tenha sido inventada, mas ela ilustra o que quero dizer.
(...) Quando escrevemos longamente sobre crianças vistas pelos olhos de adultos, o sentimentalismo tende a se introduzir, ao passo que a realidade da infância, tal como a vivemos, tende a se exluir. Ora, todos nós nos lembramos de que a nossa infância, tal como a vivemos, era infinitamente diferente de como os adultos a viam. Foi por isso que, quando perguntaram a Sir. Michael Sadler qual era sua opnião sobre uma nova escola experimental, ele respondeu: "Não vou dar nenhuma opinião sobre nenhum desses experimentos enquanto as crianças não crescerem para nos dizer o que realmente aconteceu". 

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No próximo post coloco a conclusão desse texto onde C.S. Lewis trata de um assunto pessoal que é a relação da crítica com a literatura infantil e com aqueles que a consomem.

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